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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pausa para Gutenberg



O ano de 2010 será conhecido como aquele em que resolvemos aposentar o senhor Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg. Desconfio até que ao imprimir e encadernar o primeiro livro do mundo (a Bíblia, em 1439) olhou para a impressora e pensou: “Esse sistema deu certo. Mas logo vão inventar algo melhor”. 

Depois de 570 anos, o livro está igual. Mas o mundo finalmente se moveu. Primeiro foi (como modéstia à parte, eu sempre previ aqui) a popularização do leitor eletrônico, o Kindle. Depois virá a provável explosão de vendas do iPad. O terceiro sinal eu acabei de ler no New York Times. Anne Rice, autora de Entrevista com o Vampiro, está preparando a edição eletrônica “reforçada” do novo The Master of Rampling Gate. Não será um “book”, mas um “vook” — um vídeolivro. A empresa que o produz se chama Vook e faz livros para computadores e iPhones.


O The Master of Rampling Gate manterá a concepção do livro eletrônico, com letras e ilustrações. Mas incluirá uma entrevista em vídeo com a autora e um passeio por Nova Orleans (cenário do conto) com seu filho, Christopher. Como ela disse, “estamos no meio de uma revolução”. Para quem tem imaginação, as possibilidades são infinitas — ilustrações dinâmicas, música, narração simultânea. Gutenberg pode enfim passar o resto de seus dias com a gratidão dos humanos. Feliz porque, quase seis séculos depois de sua Bíblia, damos um passo a frente.


Aliás, li a notícia no Times Reader, que aponta um bom caminho para os jornais superarem a era do papel. (Acho que as edições tradicionais continuarão existindo, mas vendendo cada vez menos.) Existem outros leitores de jornais eletrônicos, mas nenhum tão bem-sucedido quanto o Times Reader. Você consulta o New York Times quase inteiro, de graça. Mas o ato de “ler o jornal” se perde. A web é a mais dispersa das mídias. A tendência é que você leia o que interessa e pule a maior parte dos textos. Isso nos empobrece. Passar os olhos pelo jornal sempre nos obrigou a ampliar os horizontes de realidade.


Por 13,80 dólares por mês (cerca de 25 reais) você recebe o NYT inteiro no Times Reader. Outros jornais (inclusive no Brasil) procuram fazer uma imitação do ato de ler — mostrando páginas inteiras viradas em animação. O Times Reader “remasteriza” o jornal. Esquece a versão de papel. Cada notícia é lida separadamente. Com dois dedos você folheia (olha o termo analógico!) o jornal todo. Seta para baixo, lê a próxima página do texto. Para a direita, outra matéria. As últimas seis edições ficam à disposição. Há “cadernos” de fotos e vídeos e uma seção de palavras cruzadas realmente pensada para a era digital.


Minha teoria para a nova era de leitura digitalizada é: quanto menos imitar o papel, melhor. Quanto mais for pensada digitalmente, mais rápida será a mudança. Os conservadores seguirão fiéis aos livros impressos com tinta e costurados com linha. Serão cada vez menos. O resto de nós deve apertar os cintos porque a aventura mal começou.